sexta-feira, 9 de setembro de 2011

cirurgia bariatrica é adequação a um conceito recorrente de corpo?



Nas postagens anteriores foram apresentadas algumas representações contemporâneas do corpo gordo e do corpo múltiplo. A primeira foi em A puta de 135 Quilos de Bukowski, onde se tem uma visão extremamente decadente da mulher gorda. Nas postagens seguintes, outras propostas são formuladas. Nos posts sobre Danza Voluminosa, a arte de Fernanda Magalhães e 120 Model Tableau Vivant, temos olhares mais positivos sobre a questão.  A partir desse pequeno repertório, a impressão que fica é de que tentativas de desconstruir as visões correntes do que é o corpo, e propor novos olhares existem, porém são prospostas/idéias que circulam em ambientes restritos e que são recebidas com uma grande resistência como bem apontam Juan Miguel Más e Fernanda Magalhães.

As iniciativas como a de Juan e Fernanda apontam para uma desautomatização de uma idéia de corpo que é imposta, imposta a todos seja lá gordo ou magro. Alguém nega que o tipo físico que se espera representado numa fotografia ou num espetáculo de dança é o corpo magro? Alguém nega que fotografias de mulheres gordas sem roupa numa galeria de arte ou um espetáculo feito exclusivamente com bailarinas com mais de 100 quilos é algo agressivo aos olhos do espectador?

Mas, porque é que o gordo choca? Ou melhor, porque que é que quando o gordo sai do espaço “permitido” ele causa ainda mais incômodo?   É para pensar sobre essa questão que levo em consideração o discurso médico sobre a obesidade (link no topo do post), que é talvez o mais recorrente, mais difundido, mais reproduzido, e mais banalizado pelo mundo afora. O discurso médico elege a obesidade como patologia. Patologia grave, de causa obscura, razões genéticas/sociais/culturais/hereditária/metabólicas e de cura improvável. Não há indivíduo gordo, que diante de um discurso desse não pense, “fudeu!”. Ok, metade da população está acima do peso. Trinta por cento da população está muito acima do peso. A pergunta que fica no ar é: será que todo gordo é doente? O corpo em si é a doença?  Para os médicos sim. E metade da humanidade estaria fadada a morrer desta terrível doença se não fosse ela, a amada, a aclamada, a desejada, a milagrosa, a banalizada cirurgia bariátrica.

Proponho um exercício: Vá até o youtube, e busque Cirurgia Bariátrica. Assista o primeiro, o segundo e o terceiro vídeo – se tiver a paciência de chegar ao fim do terceiro vídeo, você terá a sensação de que o procedimento tem quase tanto poder quanto a união de todos os deuses do Olimpo.  A cirurgia salva! E Jesus também! Mas do que essa cirurgia salva, afinal?

Não é segredo para ninguém o número de pessoas que passam pelo procedimento e que o desejam intensamente cresce de modo vertiginoso a cada dia. Também não é segredo para ninguém que há pessoas que se esforçando para adoecer e passar pelo procedimento, principalmente mulheres. Meninas de 17 anos engordando 20, 30 quilos de propósito, pessoas que ensinam modos de burlar os resultados das perícias dos planos de saúde, entre outras bizarrices. Claro, tudo em troca de uma vida saudável, elas alegam... [Se aqui você leitor acha que estou exagerando, recomendo uma visita às comunidades da cirurgia no Orkut/Facebook.]

Numa sociedade onde o gordo é símbolo do que existe de mais decadente, é obvio que um procedimento que oferece a “cura definitiva” para o mal, seria buscado custe o que custasse.  [99% dos super-gordos que tentam perder peso sem a intervenção cirúrgica falham, são as estatísticas médicas]. Para mulheres essa coisa de estar muito acima do peso ideal é ainda mais desesperador, já que existe um conceito corrente de que a mulher gorda é feia, pobre, preguiçosa, suja, desequilibrada, e agora também doente.
Só quem vive sendo uma coisa com o mundo tentando te provar por a+b que se é outra sabe do que estou falando. Só quem não é a decandence e é visto como símbolo mor da decadence sabe do que eu estou falando. Para esse conflito, só conheço  duas alternativas:

1- A adequação a sociedade, através da perda de peso e do quase esquecimento de que um dia se foi gordo;
2- Passar a vida provando que não é àquilo que todos pensam que é;

Para muitos é mais fácil livrar-se de órgão em busca da possibilidade de adequar-se a um conceito de corpo que a sociedade “permite”. [mesmo que isso seja extremamente arriscado e custe um preço altíssimo]. Caso contrário o indivíduo está quase que fadado a propor/assumir que existe vida acima do peso "ideal",  mas sem esquecer que não se é aquilo que a sociedade espera que se seja [o símbolo vivo da decadência].

Às vezes me parece que ser gordo é como ter lepra...  Não há quem queira ser leproso... Não há quem queria ser a metade gorda da humanidade...

Isso não parece, caros leitores, perverso demais? Será que esse tipo de visão é natural? Será que é realmente o gordo quem está doente? Ou será que um olhar exagerado? Será que é impossível estar acima do peso e ser saudável? Será a obesidade uma "doença" mais social do que biológica? Será esse conceito do gordo-patológico uma regra? Será a cirurgia um procedimento banalizado? Será que se a visão que a sociedade tem do gordo [e o gordo tem de si mesmo] fosse menos cruel [e irreal], a cirurgia seria menos necessária?

São as questões que eu proponho a mim e que agora também a vocês, eventuais leitores...

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