terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ainda sobre a Bariátrica...

Transcrevo a seguir um texto que escrevi e postei em comunidades sobre cirurgia bariatrica no facebook. O texto foi postado em 3 grupos e em todos foi recebido com ódio pelas participantes e censurado pelos moderadores. Em uma das comunidades, além da censura houve a ridicularização da autora. A questão é: o que há no texto que cause tanta revolta em algumas mulheres? [é importante dizer que nem todos o receberam desta forma violenta, porém a posição contrária foi tomada como inexistente por quem atacava o texto. Uma situação curiosa... ]



Menin@s, geralmente quando alguém começa a pensar em fazer redução de estômago, a primeira coisa que se faz é chegar-se em grupos como este nas redes sociais, blogs, youtube a procura de depoimentos, resultados e maiores informações. Penso que incentivar quem realmente precisa a passar pelo procedimento é super-válido, porém não seremos integrais se não contarmos as partes ruins de uma cirurgia deste porte [porque convenhamos perder peso é ótimo, mas a bariátrica não é brincadeira e não GARANTE (sozinha) uma perda de peso eficaz e com saúde]. Estou a dois anos espiando de longe, grupos como este e aqui em várias redes sociais, e nesses dois anos percebi que muito do que se prega aqui e em outras comunidades pode ser mais falacioso do que parece... Pensando nestas coisas que eu escrevi alguns tópicos, que servem como espécie de dica pra quem ta chegando e está perdido no meio desta e de outras loucuras que rolam no mundo da internet.  [PS: Gostaria de deixar claro, antes de tudo, que as coisas que escrevi aqui não são apologias, não são críticas a ninguém especificamente e principalmente, não são verdades absolutas. Sinta-se a vontade para descartar se isto não lhe convém.]

1-      Informação vai além de “quantos quilos off em quanto tempo”. Se resolver fazer a cirurgia procure informações MESMO, leia os depoimentos, garimpe na internet, faça contato com quem já fez e está bem, faça contato com quem já faz e está mal, e não fique só nisto. Vá além da internet, procure médicos sérios, um, dois, quantos sejam necessários para que você entre na sala de cirurgia realmente ciente do que estará fazendo consigo. Saiba que o pessoal da internet não diz tudo, os médicos não dizem tudo, as revistas não dizem tudo. Geralmente se foca muito nos resultados, e nem sempre o resultado é o mais importante. DESCONFIE SEMPRE! Muita gente se dá bem com a cirurgia e fica tudo certo. Muita gente se f#de, toma literalmente no c_, e a gente tem que procurar muito pra saber quem são essas pessoas e o que realmente aconteceu com elas. Porque uma boa parte [maior parte] das pessoas se esconde quando dá merda. #fato!

2-      Procure sempre o tratamento menos invasivo. Às vezes é possível fazer a cirurgia por vídeo pagando a diferença, que nem sempre é exorbitante. Será que não vale à pena fazer um esforço e juntar um dinheirinho para pagar essa diferença?  Se o plano não autorizou a cirurgia fechada agora, a partir de janeiro de 2012 ele será obrigado a autorizar. Será que não vale à pena esperar uns meses? Sempre é bom ter a proteção do nosso Deus. Mas não custa nada dar uma mão pra Ele evitando maiores riscos.

3-      A cirurgia é cara. Sim amigos, o plano pode até custear o procedimento, mas teremos que investir nas medicações, nas vitaminas, na alimentação que é extremamente diferenciada e tudo isso não custa barato.  Não adianta reduzir o estômago pra ficar bonit@/saudável e ganhar uma vitalícia anemia profunda [e outras cositas más que vão da depressão até a sabe-se lá o que] que só te deixará fei@ e doente [embora magr@].

4-      Resultados são hiper-estimulantes, porém não são tudo e PRINCIPALMENTE podem não ser reais. Desconfie de resultados surpreendentes demais e, além disto, não usem somente este tipo de resultado como critério para fazer a cirurgia. Afinal de contas, depois que inventaram o tal photoshop, não é mais necessário redução de estômago para parecer uma barbie nas fotos. Não se engane, NINGUÉM que teve sobrepeso de 30-40-50 quilos durante alguns anos [ou durante a vida toda] terá o corpo da Cléo Pires. Não queira as pernas da Claudia Raia, nem a bunda da Juliana Paes, nem os Peitos da Cláudia Leite, nem a cara da Luisa Brunet. Nós não somos a filha da Vera Fisher, nem sempre temos a mesma disponibilidade de tempo e o mesmo dinheiro para cuidar da cara/corpo. Isso pode ser muito frustrante pra gente que é NORMAL e que não tem mais 17 anos, e nem tem um milhão pra gastar com a bunda pra ela ficar no jeito. [A vida não pára pra gente emagrecer, as cobranças serão as mesmas de quando a gente tinha 3 dígitos, o tempo e o dinheiro ainda serão curtos, ainda teremos nossas casas, nossas contas no fim do mês, filhos doentes, cobranças na faculdade, no trabalho, etc... e quem faz todas essas correias tem coisas mais importantes pra pensar/resolver do que a bunda. To errada?]

5-      Procure entender o porquê ser gord@ incomoda tanto. Procure entender que causa/causou o seu aumento de peso.  De repente você precisa mais de uma aula de dança de salão ou natação ou francês ou violoncelo do que de uma cirurgia de redução de estômago... Às vezes o que você precisa é ler um livro, estudar, freqüentar lugares prazerosos, trocar de marido/namorado, mudar de cidade, emprego, etc ...  Ou ainda de umas idas ao teatro, cinema, praia, sei lá...  No domingo, desligar o Faustão e ir dar uma volta de bicicleta/a pé, no parque com seus filhos/companheiro/amigos/sozinho... Isso pode te fazer mais feliz do que uma cirurgia... Não espere a cirurgia acontecer para ser bonit@ e feliz, pense no que te impede de ser isso sem a cirurgia. #istoéimportante! [agora se ser bonito e feliz pra você significa SÓ ter bunda, cabelo e roupa, aí posso garantir que sua noção de felicidade está um tanto quanto distorcida...]

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A "Porn Vintage" e a Vogue "Plus Size"


porn vintage
Vogue




porn vintage
vogue



Porn Vintage



porn vintage
vogue

vogue



porn vintage
vogue
porn vintage


porn vintage
vogue






Porn Vintage

vogue

Porn Vintage

Porn Vintage
vogue
porn vintage

DE DUAS A UMA MEUS CAROS EVENTUAIS LEITORES: OU ANTIGAMENTE O IDEIAL DE BELEZA FEMININO ERA UMA MULHER GORDA OU A VOGUE NÃO SABE O QUE SIGNIFICA PLUS SIZE...

Montei a galeria com o que considero mais o mais fino do bom gosto, acho as fotografias [e modelos] tanto da vogue como as vintage lindíssimas, mas a questão aqui não é o julgamento de valor, e sim os critérios do tamanho. 

Porque o ensaio da vogue é considerado plus size? 
Será que é porque nele não estão  mulheres com corpos esquálidos e infantis? O ensaio da vogue é plus size porque as modelos tem peito e quadril? Ter peito e quadril é ser plus size? Eu ingenuamente pensava que era normal...
A idéia de plus size vendida pela vogue neste ensaio, ao meu ver, é tão irreal quanto o padrão-modelete-passarela, isso porque o que se fotografa não são mulheres grandes-tamanhos e sim mulheres e ponto, mulheres que a trinta ou quarenta anos atrás eram o tamanho padrão, como pode-se ver nas fotos porn vintage. Existe diferença entre as porn vintages e as modeletes vogue? Ao meu ver, não...

Esse ensaio só será plus size quando uma mulher não plus size ter a estrutura fisíca de uma criança de 12 anos...

E fico aqui pensando com os meus botões: Cria-se uma categoria especial de tamanhos [o plus size] e ela é destinada a pessoas com uma estrutura física normal e não grande. Ok, para as "grandes marcas" gordas de fato, não vestem... é uma pena que a lojinha da esquina vá copiar as tendências ditadas pela vogue... É uma pena que não se possa sair sem roupas pela rua, já que o mercado continua fingindo que metade da população não existe...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

cirurgia bariatrica é adequação a um conceito recorrente de corpo?



Nas postagens anteriores foram apresentadas algumas representações contemporâneas do corpo gordo e do corpo múltiplo. A primeira foi em A puta de 135 Quilos de Bukowski, onde se tem uma visão extremamente decadente da mulher gorda. Nas postagens seguintes, outras propostas são formuladas. Nos posts sobre Danza Voluminosa, a arte de Fernanda Magalhães e 120 Model Tableau Vivant, temos olhares mais positivos sobre a questão.  A partir desse pequeno repertório, a impressão que fica é de que tentativas de desconstruir as visões correntes do que é o corpo, e propor novos olhares existem, porém são prospostas/idéias que circulam em ambientes restritos e que são recebidas com uma grande resistência como bem apontam Juan Miguel Más e Fernanda Magalhães.

As iniciativas como a de Juan e Fernanda apontam para uma desautomatização de uma idéia de corpo que é imposta, imposta a todos seja lá gordo ou magro. Alguém nega que o tipo físico que se espera representado numa fotografia ou num espetáculo de dança é o corpo magro? Alguém nega que fotografias de mulheres gordas sem roupa numa galeria de arte ou um espetáculo feito exclusivamente com bailarinas com mais de 100 quilos é algo agressivo aos olhos do espectador?

Mas, porque é que o gordo choca? Ou melhor, porque que é que quando o gordo sai do espaço “permitido” ele causa ainda mais incômodo?   É para pensar sobre essa questão que levo em consideração o discurso médico sobre a obesidade (link no topo do post), que é talvez o mais recorrente, mais difundido, mais reproduzido, e mais banalizado pelo mundo afora. O discurso médico elege a obesidade como patologia. Patologia grave, de causa obscura, razões genéticas/sociais/culturais/hereditária/metabólicas e de cura improvável. Não há indivíduo gordo, que diante de um discurso desse não pense, “fudeu!”. Ok, metade da população está acima do peso. Trinta por cento da população está muito acima do peso. A pergunta que fica no ar é: será que todo gordo é doente? O corpo em si é a doença?  Para os médicos sim. E metade da humanidade estaria fadada a morrer desta terrível doença se não fosse ela, a amada, a aclamada, a desejada, a milagrosa, a banalizada cirurgia bariátrica.

Proponho um exercício: Vá até o youtube, e busque Cirurgia Bariátrica. Assista o primeiro, o segundo e o terceiro vídeo – se tiver a paciência de chegar ao fim do terceiro vídeo, você terá a sensação de que o procedimento tem quase tanto poder quanto a união de todos os deuses do Olimpo.  A cirurgia salva! E Jesus também! Mas do que essa cirurgia salva, afinal?

Não é segredo para ninguém o número de pessoas que passam pelo procedimento e que o desejam intensamente cresce de modo vertiginoso a cada dia. Também não é segredo para ninguém que há pessoas que se esforçando para adoecer e passar pelo procedimento, principalmente mulheres. Meninas de 17 anos engordando 20, 30 quilos de propósito, pessoas que ensinam modos de burlar os resultados das perícias dos planos de saúde, entre outras bizarrices. Claro, tudo em troca de uma vida saudável, elas alegam... [Se aqui você leitor acha que estou exagerando, recomendo uma visita às comunidades da cirurgia no Orkut/Facebook.]

Numa sociedade onde o gordo é símbolo do que existe de mais decadente, é obvio que um procedimento que oferece a “cura definitiva” para o mal, seria buscado custe o que custasse.  [99% dos super-gordos que tentam perder peso sem a intervenção cirúrgica falham, são as estatísticas médicas]. Para mulheres essa coisa de estar muito acima do peso ideal é ainda mais desesperador, já que existe um conceito corrente de que a mulher gorda é feia, pobre, preguiçosa, suja, desequilibrada, e agora também doente.
Só quem vive sendo uma coisa com o mundo tentando te provar por a+b que se é outra sabe do que estou falando. Só quem não é a decandence e é visto como símbolo mor da decadence sabe do que eu estou falando. Para esse conflito, só conheço  duas alternativas:

1- A adequação a sociedade, através da perda de peso e do quase esquecimento de que um dia se foi gordo;
2- Passar a vida provando que não é àquilo que todos pensam que é;

Para muitos é mais fácil livrar-se de órgão em busca da possibilidade de adequar-se a um conceito de corpo que a sociedade “permite”. [mesmo que isso seja extremamente arriscado e custe um preço altíssimo]. Caso contrário o indivíduo está quase que fadado a propor/assumir que existe vida acima do peso "ideal",  mas sem esquecer que não se é aquilo que a sociedade espera que se seja [o símbolo vivo da decadência].

Às vezes me parece que ser gordo é como ter lepra...  Não há quem queira ser leproso... Não há quem queria ser a metade gorda da humanidade...

Isso não parece, caros leitores, perverso demais? Será que esse tipo de visão é natural? Será que é realmente o gordo quem está doente? Ou será que um olhar exagerado? Será que é impossível estar acima do peso e ser saudável? Será a obesidade uma "doença" mais social do que biológica? Será esse conceito do gordo-patológico uma regra? Será a cirurgia um procedimento banalizado? Será que se a visão que a sociedade tem do gordo [e o gordo tem de si mesmo] fosse menos cruel [e irreal], a cirurgia seria menos necessária?

São as questões que eu proponho a mim e que agora também a vocês, eventuais leitores...

domingo, 14 de agosto de 2011

Uma Mulher Gorda e Nua

link original (Entrevista com Fernanda Magalhães na Gazeta do Povo)

Fernanda sempre foi gorda. Padeceu os infernos por causa disso, até retratar o próprio corpo, em meados da década de 1990, produzindo o que já pode ser chamado de um clássico das artes visuais no Brasil – a série Representação da Mulher Gorda e Nua na Fotografia.
Prova disso é que mesmo sendo dona de um respeitável catálogo artístico, continua sendo convidada a expor e a falar sobre as imagens que a apresentaram ao circuito de arte, ganhando mostras em incontáveis pontos do planeta, de Cuba à Finlândia. Em outubro deste ano, por exemplo, “a mulher gorda” será mostrada no respeitável Maison Européenne de la Photografie, em Paris. “Mas continuo uma maldita. Ninguém quer ter uma imagem dessas em cima do sofá”, brinca a artista.
Magalhães vive numa pequena chácara nos arredores da cidade onde nasceu. É professora doutora da Universidade Estadual de Londrina e se integra ao rol de pesquisadores brasileiros que fazem dos estudos de gênero um sopro de vida em meio ao mofo acadêmico.
Na entrevista que segue, dada em sua casa, falou do pai, o ativista cultural Vilela, sua maior influência; de câncer; cirurgia bariátrica e, claro, de como a menina que corria dos colegas que a chamavam de “baleia” fez de um trauma infantil um contundente discurso libertário. “A gordura é transgressora”, provoca.
Você sempre foi gorda?
Redondinha. Arredondada. Nada muito absurdo, assim como minha família inteira, do lado de pai e do lado de mãe.
E na escola?
Na escola tinha essa coisa de chamar de gorda baleia, saco de areia. Corriam atrás de mim nas ruas...
Nas ruas?
Sim, naquela brincadeira de bola queimada. Gritavam “pega a baleia, pega o saco de areia...” Era bullying, né, mas naquela época não tinha esse nome.
Como você reagia?
Meu mecanismo era não ligar. Eu sofria exclusão, horrores. Muitas meninas não andavam comigo. Com o tempo, fiquei passiva. Cheguei ao extremo de nem perceber o que acontecia. Mais tarde, explodiu.
Quando foi?
Em 1993, fui morar no Rio de Janeiro. Lá comecei a recuperar essas dores...
Numa temporada de estudos, é isso...
Sim. Àquela altura, eu já fotografava pessoas nuas. Mas no Rio havia aquele culto às formas, à gatinha. Aquilo me pegava. Até que num curso, em Niterói, o Pedro Vasques pediu que fizéssemos um ensaio fotográfico bem pessoal, um autorretrato. Foi durante esse exercício que eu entendi o que acontecia comigo...
E o que acontecia?
Eu tinha vergonha daquele corpo. Aquele corpo não podia ser mostrado. Era um assunto tabu. Falar de gordura significava falar de dieta. O primeiro autorretrato foi uma forma de gritar: “Oi, eu existo. Essa sou eu. Sou assim. E aí? Tenho de ser excluída da sociedade porque tenho essa forma?”
Fale sobre o autorretrato...
Foi um processo lento. Eu recortava pedaços de fotos minhas, gorda e nua, tirando as partes que me incomodavam, aquelas dobras todas do corpo. E guardava os fragmentos numa caixinha. Sem me dar conta, eu estava fazendo uma plástica na imagem. Depois, fui juntando os pedaços. A cada vez que eu colava e me via, bom... não era fácil encarar. Esse trabalho acabou levando à série “Representação de Mulher Gorda Nua na Fotografia”.
... um trabalho que lançou você no circuito das artes. Foi bom?
Mulher gorda e nua... houve uma curiosidade, claro. Mas meu circuito era o alternativo. Não tenho galeria em São Paulo, não vendo trabalho. Quem é que vai querer colocar uma foto de uma mulher nua, gorda, em cima do sofá? Ninguém. Já participei do Panorama da Arte Brasileira, uma exposição importante, mas nunca estive numa Bienal. Vou expor em Paris em outubro, mas acho que de alguma forma continuo maldita.
Fernanda, mas o que não lhe falta é reconhecimento...
Tenho tido um retorno enorme. De repente, dizem que o que faço é inovador. O autorretrato da mulher gorda nua é visto como catártico. As pessoas finalmente me aceitam como sou. Tem horas que fico me perguntando como persisti tanto.
As fotos da Fernanda gorda e nua não acabaram reduzindo sua produção a um tema?
O tema não me prendeu, me libertou. E libertou muita gente. Minha produção toca feridas. A crítica de arte pode até não gostar do que faço. Já não posso dizer o mesmo das pessoas que vão às exposições. Muitas mulheres me agradecem, dizem que passaram a se dar o direito de pôr um biquíni na piscina. Além do mais, extrapolei a obesidade e passei a pensar na mulher, em gênero, em diversidade. A obesidade acabou se tornando para mim uma questão política. Fiz mestrado e doutorado no assunto. Me interessa saber por que estamos correndo atrás de um corpo idealizado. Tem a ver com controle e poder. Todos sofrem com essa ditadura. A magra e eu.
Até as magras sofrem...
Sofrem. O corpo perfeito, não existe. Aquele corpo que a gente considera na medida já passou, sei lá, por 19 cirurgias. Nos quase 20 anos em que lido com isso acabei fazendo muita conferência. Ouço depoimentos pesados. Há meninas lindas com compulsão por cirurgias. Nunca se sentem no padrão ditado pela publicidade e pela moda. Correm atrás de um corpo cada vez mais plástico e infantil.
Você já pensou em reduzir o estômago?
Não posso não pensar. Minha postura é a de não ser fechada. Mas nunca vou me submeter à redução do estômago. Para mim não é a solução, porque eu não preciso de solução. Meu corpo é esse. Os médicos podem dizer que tenho corpo fora do padrão. Bom, uma multidão está fora do padrão, né.
Em que você é contra a cirurgia?
Não sou contra qualquer tipo de cirurgia. Sou contra o excesso de consumo. Contra a manipulação. Contra a ilusão que essa intervenção cria. Tenho visto o descontentamento de muita gente que fez redução de estômago. Já ouvi coisas do gênero: “Eu odeio meu corpo. Não ficou como eu queria...” Conheço uma ou outra pessoa que se deu muito bem com a cirurgia. Uma amiga recuperou a autoestima. É uma luta dela. É a minha também. Casos e casos.
Os médicos não devem morrer de amores por você...
Recebi muitas ameaças de endócrinos. Eles me mandavam recados, dizendo: “Você está fazendo um desfavor à sociedade.”
Você se sente bonita?
Tem dias em que me arrumo, me sinto linda, como qualquer ser humano. Noutros, me sinto péssima. Mas a questão não é essa. A questão é que entendi não adiantar de nada ficar buscando um corpo idealizado. Não quer dizer que eu não ache importante se cuidar. Faço caminhada, me alimento naturalmente, há anos não tomo refrigerantes. Gostaria de ficar com uns quilos a menos. Afinal, adoro dançar e criar um visual diferente.
A quem você deve a pessoa que é?
Meu pai, Antônio Vilela de Magalhães, o Vilela, foi meu primeiro professor. Quanto eu tinha 6 anos, ele me levou para conhecer um laboratório fotográfico. Me encantei. Disse que quando crescesse ia ser fotógrafa e ganhei uma Polaroid enorme. E tinha o cinema. Lembro que ele fazia brincadeiras com filmagens, numa super-8. Fazíamos experiências com a voz num gravador de rolo. Em casa sempre foi essa animação.
Como era seu pai?
Ele se apresentava como jornalista, trabalhou na Editora Melhoramentos, tinha uma ligação muito forte com o livro. Chegou a ter uma livraria. Cresci no meio de uma tipografia. Mas digo que ele era um artista. Amava todas as artes. Fotografava. Fazia cinema. Fazia teatro e montou o primeiro grupo de Londrina. Digo que sempre foi múltiplo. Nele, isso era natural.
Dois trabalhos seus com lençóis – Impressão da Memória e o Corpo em Reconstrução – teriam nascido de uma situação com seu pai. Como foi isso?
Ele trabalhava três turnos. Quando chegava em casa, queríamos que lesse gibi para nós, mas estava cansado. Como era uma pessoa bem divertida, dava caneta para a gente desenhar nas costas dele, que eram largas. A brincadeira funcionava como uma massagem e meu pai cochilava. Como suava muito, e dormia sem camisa, os desenhos ficavam impressos no lençol. Contei essa história para a poeta e jornalista Karen Debértolis, que enxergou nessa passagem minha relação com o corpo. Daí surgiu a ideia de imprimir nos lençóis, com fotos do corpo desenhado.
E sua mãe? [risos]
Tadinha, minha mãe ficou para lá na conversa. Mas ela foi fundamental. A pesquisadora Margareth Rago sempre se disse intrigada com a minha produção. Até conhecer minha mãe e me ajudar a entender a presença dela no meu trabalho. O pai era um sonhador. Ela tem o pé no chão, é crítica, persistente, incansável. Há 20 anos vai na prefeitura brigar para não que não cortem as perobas, discute com as caras. Fala o que pensa.
Podemos falar do câncer?
Eu tive um câncer no útero em 2003. Provei o caos da doença. Precisava de alguém até para me dar banho. Tinha de contar com minha mãe, com a empregada, com o Plantão Sorriso, com a tia que foi no hospital me ajudar a fazer o primeiro pum [risos]. Difícil falar disso. Mas foi o que me deu força para lutar. Me senti amada. E acho que é disso que meu trabalho fala. É precisa do afeto para construir um corpo coletivo. Cada um me doou uma parte do seu corpo – um braço, uma perna...
E o câncer virou performance...
A experiência me levou a outro trabalho, que é “O Corpo em Reconstrução”. Nele desenvolvi a ideia de que precisamos do outro para nos refazer. Passei a convidar pessoas para participar de performances públicas. Cada um imprime suas lembranças num grande lençol. Tenho feito sem parar, em várias cidades.
Por que você permaneceu em Londrina?
Meu pai morreu cedo. A gente teve de ir à luta. E aqui eu tinha meu espaço. Além do mais, todas as vezes em que fui embora não deu certo. Ia e tinha de voltar. Hoje, estar no interior é inclusive favorável. Na última década, desenvolveu-se a ideia de que as coisas não acontecem só nos grandes centros.
Sua casa é linda...
Pois é, minha família nunca morou nessa chácara. Em 2000, decidi me mudar. Tinha motivos: passei minha infância vindo a esse lugar. Era longe da cidade. Para chegar, tinha de atravessar no meio dos eucaliptos, descer a pé. Quando meu pai morreu, resolvi reformar o barracão onde ele havia montado uma tipografia e fiz um ateliê.
Esse lugar é seu espelho?
Sempre digo que essa casa é meu maior trabalho.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Danza Voluminosa


 Dançar é uma forma de amar.
                          Pina Bausch

Há alguns anos uma companhia de teatro-dança colombiana esteve aqui por esses lados. Uma das atrizes não correspondia ao ideal de leveza de uma atriz-dançarina, ela era gorda. Após o espetáculo uma das pessoas que estava comigo disse, sem o menor pudor: "Acho de muito mal gosto colocarem uma bailarina gorda no elenco, ainda mais em um papel de tanta importância, isso estraga o espetáculo!"

Notem: o critério de avaliação da pessoa não foi a expressão da atriz,  não foi o desenvolvimento do seu papel, não foi a construção do espetáculo e muito menos a mensagem/ reflexão/ sensibilização que um espetáculo desse tipo propõe.
O critério foi o peso da atriz que "estraga" o espetáculo por não se enquadrar no padrão que a dita espectadora acha ideal para alguém que dança num palco.

A mesma pessoa teve espasmos quando soube que eu-gorda namorava um belo rapaz (magro) muito bacana e gente fina. Para alguém assim, uma pessoa como eu, era no mínimo incompatível com um rapaz tão bonito e tão bacana. Claro que mandei essa dita as favas, e que seja bem feliz longe de mim.

Mas estou aqui para mostrar o Danza Voluminosa companhia cubana de dança (saiba mais aqui). Fico aqui com os meus botões pensando em qual seria a reação de alguém que pensa que uma atriz gorda estraga o espetáculo, diante de um espetáculo feito exclusivamente por mulheres gordas. E sim, pasmem senhoritas: a expressão corporal não é uma questão de estrutura física.


Vida longa a experiências desse tipo! Com a bênção de Pina e de Alícia!

Decadência ou Resignificação? A puta de 135 quilos


Estou me referindo ao livro Delírios Cotidianos, na versão desenhada por Mathias Schultheiss, mais especificamente, ao conto-quadrinho que dá nome ao post A puta de 135 quilos que começa da seguinte forma: "Na noite em que a puta de 135 quilos entrou, eu estava pronto para tudo. E aparentemente eu era o único a estar. Ela era terrivelmente gorda e não muito limpa..." Identificação imediata com a tal puta. Susto! As piores crueldades vem de mim mesmo...  Como superar essa auto-sabotagem? Eu não sou puta, eu não sou suja. Mas mesmo com consciência disso a comparação inevitável estava posta: a semelhança era cruel "terrivelmente gorda". Então era isso: eu era terrivelmente, assim como a puta. Dizia pra mim mesmo: sou coisas além de terrível, [e isso não me descaracterizava]. A palavra não saía da cabeça: TERRIVELMENTE! Passei mal por uns três dias... Será que naquele momento eu era realmente a decadência ambulante ou existe formas de resignificar um corpo de 135 quilos. Eis a questão.